quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Extraordinária Aventura Vivida Por Vladímir Maiakóvski no Verão na Datcha

(Púchino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)

A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava.
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato.
E de manhã
outra vez
por toda parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
"Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!"
E grito ao sol:
"Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!"
E grito ao sol:
"Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?"
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
"Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!"
Lágrimas nas pontas dos olhos
-e o calor me fazia desvairar-
eu lhe mostro o samovar:
"Pois bem,
sente-se astro!"
Quem mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo disso e daquilo,
como me cansa a Rosta,
etc.
Eo sol:
"Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!"
Conversamos até a noite
ou até o que ,antes ,eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol por fim:
"Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos."
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo o mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

1920
(tradução de Augusto de Campos)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

"é com uma tal aleluia que digo essas coisas"


assoalho de madeira
solo que brilha
terra fértil
em que me planto inteiro
de onde vem minha voz
meu grito, meu tambor
meu batuque
sinfonia de imagens
que vejo no fundo do mar
nada é suficiente
corro e me atiro
nesse precipício
na ansia de voar
deixo no caminho
pessoas
amores
riquezas
familia
seu nome é fome
renúncia
dor
seu nome é meu nome ao avesso
meu corpo ao avesso
minhas entranhas
expostas num ritual belo
me planto ali
e nao desboto
a vida que deixo de viver
vivo ali
não uma
todas
mascaras
sou bicho
gente
sinto seu cheiro
de morte
folhas esmagadas
apodrecendo em terra úmida
outono na beira do rio
salto nesse vazio
na grande jornada
montanha rochosa que escalo
debaixo do sol
pra simplesmente chegar ao topo
para ver do outro lado
pra depois descer
e subir de novo
no dia seguinte
e no outro
e no outro
porque sempre haverá
uma paisagem nova do outro lado
outro quadro a ser pintado
com tintas novas
que não secam nunca
um quadro que é lavado
todos os dias
depois de cada pincelada
que nunca será exposto
que nao cabe em galerias
que nao cabe na parede
só nesse chao de madeira

segunda-feira, 13 de abril de 2009

e a macaca dançou o jongo

da mesma longa jornada








cio
mio
louco

******

chego
café
meu pai
saudade
cadê você aqui?
ixi!
fantasia
marota

*********

tolerância
zero
tudo
além
mar
cativo
amacord
corda livre

quinta-feira, 9 de abril de 2009

rio raso quase seco

rio serpenteia
rio sinuoso passa
e não volta mais
já é outro
como esse rio de janeiro
quase já em agosto
não tem mais curvas
foi um dia
pra sei lá
será que vai voltar?

de um longa jornada poética de um dia noite a dentro

ONDA - Antonio Cícero

Conheci-o no Arpoador,
garoto versátil, gostoso,
ladrão, desencaminhador
de sonhos, ninfas e rapsodos.

Contou-me feitos e mentiras
indeslindáveis por demais:
eu todo ouvidos, tatos, vistas,
e pedras, sóis, desejos, mares.

E nos chamamos de bacanas
e prometemo-nos a vida:
Comprei-lhe um picolé de manga

e deu-me ele um beijo de língua
e mergulhei ali à flor
da onda, bêbedo de amor.